EU NÃO SEI NEM QUEM SOU EU:

“No dia qui eu tou cá peste
Eu não sei nem quem sou eu,
Sou um fio do Nordeste
Que por descuido nasceu.
Cabôco do pé da serra
Fio legítimo da terra
De Inácio da Catingueira,
Juvená do Picuí,
De Zé Duda do Zumbí
E Mané Gardino Bandeira.

Sou um dos fí de Jesus
Qui nasceu por um arranjo,
Na terra de Zé da Luz
E de Argusto dos Anjo.
Sou do mesmo tabuleiro
Onde Pinto do Monteiro
É o primeiro da lista,
Cantador de desafôro
Tirando lapa de couro
Do rabo de repentista.

Sou dos cabra do Teixeira
Do sertão véi sem imprêgo
Da terra de Zé Limeira,
E dotô Zé Lins do Rêgo.
De Zé Américo de Armêida
Orador da voz de seda
Político da linha boa.
Sou cantadô das coivara
Do sertão das Ispinhara
A capitá João Pessoa.

Sou um doido da viola
Repentista vagabundo
Como um jumento sem bola
Sorto no ôco do mundo.
Bibí água do riacho
Onde todo cabra macho
Se acorda de madrugada
Sou um matuto pai-dégua
Nasci na Baixa da égua
Perto da tába lascada.

Sou um cabra resorvido
Bicho sem assombração
Poeta véio nascido
No miolo do sertão.
Sou neto de João Mandióca.
Cumpadre de Cobra Choca.
Mês de maio é o mês meu.
Me batisei em oitubro
Vou ver se ainda descubro
Onde a garrota morreu.

Sou do cabo da enxada,
Neto que dá língua a vó.
Cabra da rede rasgada
E um buraco no lençó.
Sou da terra de Ugolino,
Famia de Ontôe Sirvino,
Parente de Lampião.
Colega de Zé Catôta,
Romeiro véio da gôta
Do Padre Cícero Romão.”
Poeta Pedro Bandeira

MATUTO DO PÉ RAXADO:

“Eu sou um paraibano
da cabeceira do Estado
Nasci numa cama velha
feita de couro de gado
Mamãe é uma matuta
do cabelo cacheado
Meu velho pai um marchante
do açougue pro roçado
Fui amansador de burro
Bom na foice e no machado
Com seis anos descobri
ser um poeta inspirado
Com dezoito viajei
andando a pé e montado
Escavaquei o Nordeste
cantando destambocado
Arribei da Paraíba
com a viola de lado
Vim parar no Juazeiro
por Padre Cícero chamado
Comecei cantar no Crato
pela Rádio convidado
Esse programa de rádio
me deixou famigerado
Resolvi fazer cordel
e poema apaixonado
Fiz supletivo, passei
depois fui vestibulado
Ingressei na faculdade
sou professor diplomado
Em outra universidade
fui em direito formado
Fiz o exame de ordem
sou também advogado
Tem dia que escrevo certo
tem hora que falo errado
Entrei no mundo político
consegui ser bem votado
Vereador duas vezes
na terceira fui roubado
Já me preparo pra quarta
porque sou desassombrado
Não tenho medo de público
por já ser acostumado
Aos fãs e aos eleitores
eternamente obrigado
Nem sou rico nem sou pobre
vivo nesse misturado
Trabalho pra ser autêntico
pra isso tenho cuidado
Sou o mesmo cantador
do tempo velho passado
Canto a trinta e sete anos
e ainda não estou cansado
Nunca encontrei repentista
que me deixasse calado
Como filho, esposo e pai
dei de conta do recado
Tem gente que me censura
porque não compro fiado
Amo a Deus e ao trabalho
o resto é papo furado
Sou homem de dois extremos
matuto e civilizado
Uns me xingam, outros me amam
Adoro quando me chamam
MATUTO DO PÉ RAXADO.”

Poeta Pedro Bandeira